sexta-feira, 11 de março de 2011
sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011
domingo, 6 de fevereiro de 2011
sábado, 5 de fevereiro de 2011
De pivete a funqueiro: genealogia de uma alteridade
O arrastão de 18 de outubro de 1992 constitui um marco na história do funk carioca. Ele dispara uma construção criminalizante da figura do funqueiro pela mídia. Na verdade, o episódio convoca tensões e conflitos provocados pelo encontro de classes sociais distintas, tão bem retratado por documentário exibido pela Rede Manchete (Pobres vão à praia, 1989). Nele, mostrava-se a via crucis de suburbanos para chegar à praia no fim de semana antes da inauguração do Túnel Rebouças, e a recepção nada entusiasta dos moradores da Zona Sul diante dessas visitas.
É claro que o funk não surgiu no cenário midiático com os arrastões, mas eles concorreram para projetá-lo nacionalmente, colocando os jovens funkeiros especialmente nas seções policiais e depois também nos cadernos culturais. Vianna afirma também que ao concluir seu trabalho de pesquisa, no final dos anos 80, o funk não era representado na grande imprensa como uma manifestação ameaçadora da ordem pública, mas sim como uma forma de lazer dos jovens dos subúrbios, como retrata a Revista Veja (apud Vianna, 1996, p. 4): "Para uma parcela considerável da juventude carioca, funk é bem mais que isso - é uma palavra mágica sob a qual se abriga um ritual. Esses jovens formam uma comunidade com códigos de conduta próprios na maneira de se vestir, falar, se divertir e namorar...".
Da mesma maneira, com base em levantamento realizado sobre o funk na mídia impressa, Herschmann (2005) constata que entre 1990 e 1991 esse gênero musical apareceu três vezes na mídia na seção dos cadernos culturais. Esse quadro muda a partir de 1992, quando há um aumento de referências ao funk, com predomínio nas seções policiais. Em 1995, dos 40 artigos por ele encontrados, 65% estavam nas seções policiais e Cidade, e 35% nos cadernos de cultura.
Para Vianna (1996), depois dos arrastões, os bailes funk passaram a ser vistos, antes de tudo, como um espaço de violência e não mais de divertimento. Para Herschmann (2005), o funk vai então adquirir uma nova dimensão, a partir de sua intensa veiculação na mídia, colocando em discussão o lugar do jovem pobre no debate político e intelectual do país. Os arrastões possibilitaram à mídia fazer dos funqueiros bodes expiatórios, como uma forma de externalizar o mal e garantir a continuidade de uma determinada estrutura/ordem social. Segundo Jodelet (1999), a exclusão comporta sempre uma organização específica de relações interpessoais ou intergrupais por meio das quais ela se traduz, e se mantém graças a uma construção da alteridade baseada nas representações sociais que a comunicação social e midiática contribuem para difundir.
O funqueiro, porém, não ficou estigmatizado do dia para a noite, depois do arrastão de 1992. O acontecimento possibilitou a criação de um personagem que já estava sendo delineado no final dos anos 80. Autores como Zaluar (1994), Malaguti (apud Medeiros, 2006, Valladares (2000) apontam um medo antigo das elites cariocas em relação às favelas – e aos seus moradores, hoje incluindo funqueiros. Como diz Mary Douglas (1991), o que não se enquadra no nosso sistema de classificação e, portanto, de ordenação do mundo, segundo nossa cultura – ou o que está na margem desse sistema – é com frequência visto como ameaçador e, por conseguinte, como impuro, sujo, produtor de repulsa e de medo. Esse medo teria crescido a partir dos anos 1990, também por conta de um novo cenário político que se delineava.
Em 1989, após 29 anos sem eleições diretas para presidente da República, Fernando Collor de Mello triunfa, com a imagem de político jovem, autônomo, comprometido com o povo, construída por uma forte estratégia de marketing. Concorreram para a sua vitória, por um lado, o temor dos grupos conservadores de ver um líder de esquerda, o ex-operário Luís Ignácio Lula da Silva, no poder. Por outro, a instabilidade política (greves) e econômica que assustava a classe média brasileira: 1989 terminou com uma inflação de mais de 1.700% (Meneghello, 1994). Um dia após assumir a Presidência, em março de 1990, Collor anunciava um plano econômico que comportava, dentre outras medidas, o confisco temporário dos depósitos bancários e aplicações financeiras, o congelamento de salários, a demissão de funcionários públicos e a privatização das estatais. O fracasso desse plano e as denúncias sobre um esquema de corrupção do governo federal abalaram o prestígio de Collor. No final de 1992, após um longo processo instaurado no legislativo, ele renuncia à Presidência antes de ser sentenciado com o impeachment, e perder seus direitos políticos por oito anos. Diante desse quadro conturbado, o pessimismo tomava conta da população brasileira. Segundo pesquisa do Instituto Gallup, publicada no Jornal do Brasil, 41% dos brasileiros consideravam 1991 como o pior dos últimos dez anos e 54% acreditavam que o ano seguinte seria ainda pior ("Brasileiro elege 1991...", 1991).
Nesta mesma época, outro tipo de cenário, ligado a organizações criminosas e à violência urbana também se apresentava sob uma nova configuração. A dinâmica do tráfico de drogas no Rio de Janeiro passava por uma profunda transformação com a chegada de cocaína em grande quantidade no fim dos anos 70 e, mais marcadamente, no começo dos 80. A cidade se torna um mercado de varejo e um ponto estratégico para o trânsito da droga que entra pelos portos, aeroportos e rodovias para outros países (Dowdney, 2003). As favelas, com sua geografia de becos estreitos, morros altos, de difícil acesso, caminhos sinuosos e becos sem saída, acabam sendo locais perfeitos para a instalação de pontos de venda de drogas.
Maiolino (2005) reforça a afirmação de que uma nova situação se desenvolve nesta década nas favelas, com a presença mais representativa dos banqueiros do jogo de bicho e de grupos ligados ao tráfico de drogas. Esses grupos passam a exercer controle sobre as organizações locais e seus moradores, ampliando gradativamente sua atuação interna nas favelas. A década termina com o aumento da complexidade dos problemas que envolvem esses locais, como o próprio tráfico. A entrada da cocaína aumenta enormemente os lucros e assim intensifica-se o poder de fogo dos traficantes, com a aquisição de armamentos cada vez mais pesados, para a defesa do território contra as invasões da polícia, que também aumentam, e de outros grupos rivais que disputam os pontos de venda da droga. Não é novo o discurso que associa os pobres a uma "classe perigosa", porém cresce mais ainda a mobilização para os problemas urbanos decorrentes da existência desses espaços na cidade.
O cenário político-econômico nacional turbulento, por sua vez, repercutia no Rio de Janeiro, onde a população residente em favelas cresceu 40,48% entre 1980 e 1991, contra 11,15% na década anterior, conforme Censo de 2000, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (apud Fernandes, 2005). A circulação dessa massa de 'favelados'1 que se tornava cada vez mais expressiva e visível, gerava conflitos na cidade.
O termo "arrastão", antes mesmo de ser associado ao universo funk, surgia na mídia entre 1989 e 1990, para designar ações de "pivetes"que praticavam assaltos em bandos, principalmente nas praias da Zona Sul da cidade (Herschmann, 2005). O sentimento por parte dos setores dominantes da sociedade carioca de que suas praias haviam sido invadidas pelos favelados, retirava-lhes "o prazer de suas caminhadas pelas ruas limpas e urbanizadas da Zona Sul, agora repletas de "pivetes"e maltrapilhos, de cujo local de origem jamais deveriam ter saído"(Fernandes, 2005, p. 8).
Há, portanto, nesse período, um discurso catalisado pela mídia, de incômodo em relação à convivência forçada com os setores populares da cidade (Fernandes, 2005). É o que demonstra um trecho de reportagem do Jornal do Brasil, de 3/11/1991:
As padarias escondem a mortadela, retiram os croissants dos balcões e trancam o freezer a cadeado. [...] Ipanema e Leblon, que já produziram praias inesquecíveis de moda, política, comportamento e cultura, agora se preparam para conviver com o arrastão, uma assustadora onda de assaltantes, sinistro emblema do que se anuncia como o mais sujo, caótico e violento verão da história da cidade. [...] Nos sábados e domingos de sol, os moradores cedem a praia para mais de 100 mil suburbanos de todos os cantos da cidade. A Zona Sul, assustada, os recebe mal, sem o menor interesse em distinguir, dentro dos ônibus lotados, a fronteira entre a breguice, a pobreza e a delinquência. (Rodrigues, 1991)
Duas trágicas chacinas marcaram o Rio de Janeiro em1993 – a da Candelária e a de Vigário Geral. Em julho, seis policiais militares – PMs – assassinaram sete menores que dormiam debaixo de marquises, no centro do Rio de Janeiro; 16 dias depois, 21 pessoas foram assassinadas na favela de Vigário Geral por 50 PMs encapuzados, em represália à morte de quatro policiais por traficantes de drogas da região. O que a princípio parecia apenas um desconforto dos setores dominantes, com as chacinas termina revelando a que ponto a produção de uma alteridade radical podia entrar em ação, transformando-se em ações de violência contra os pobres.
Funqueiro, antes apenas designativo de alguém que frequenta bailes funk para se divertir, dançar, "azarar", se torna um termo estigmatizante justamente durante esse conturbado período, pela associação de sua imagem às favelas e periferias, espaços dos quais a elite carioca queria se afastar e distinguir; o termo passa a ser sinônimo de "pivete", "favelado"e outras denominações ligadas à "marginalidade".
FUNQUEIRO: NOVO ATOR, VELHOS CONFLITOS - Marilena Jamur
Não é difícil imaginar por que o arrastão de 1992 foi facilmente identificado como um ato de violência praticado por funqueiros, justificando várias medidas políticas de coerção ao universo funk e aos seus adeptos, mesmo quando os números apontavam para uma outra realidade.
Nilo Batista, vice-governador do Rio e secretário de Justiça e de Polícia Civil à época, faz uma correção, 14 anos depois do acontecimento, afirmando que não houve nenhuma vítima nem pessoa ferida no incidente, no máximo o furto de uma toalha ou um par de sandálias havaianas (Medeiros, 2006). Infelizmente, esse reconhecimento veio tarde demais, e a associação entre violência e funqueiro já estava incorporada, determinando a forma como essa expressão cultural seria encarada e tratada pelo poder público nos anos posteriores. No verão de 1992, ganha evidência a produção da alteridade em torno do funqueiro. Após o fenômeno emergente do arrastão nas praias cariocas, surge a necessidade, por parte da mídia e dos poderes públicos, de produzir uma explicação que desse sentido a essa situação, que possibilitasse sua compreensão e consequente atuação sobre o problema. Segundo Joffe (2003, p.317), "quando ocorrem mudanças ameaçadoras no ambiente social, as representações da mudança servem para dar às pessoas um sentimento de controle da situação potencialmente incontrolável".
A alteridade surge como um processo que serve de "fermento"para a renovação dos repertórios mentais (Arruda, 2002). Assim, para estabelecer um novo senso comum, novos sistemas representacionais são convocados pelas informações produzidas. No intuito de tornar um "novo fenômeno" algo familiar, passível de ser entendido e teorizado, os meios de informação utilizam-se de imagens e ideias anteriores a ele. O funk, na medida em que foi reinventado pelos cariocas, tornou-se um estilo musical facilmente identificado como pertencente às camadas populares, tanto em relação à sua produção, quanto a seu consumo. O funqueiro, como "bode expiatório", passa a ser ancorado em imagens dos grupos marginais que simbolizam a ameaça à sociedade2.
Para a teoria das representações sociais, o conhecimento que as pessoas têm sobre grupos que podem ser alvo de projeção é construído tanto por memórias coletivas, como pelas teorias que circulam na comunidade científica, nos meios de comunicação de massa e nas conversações do dia a dia. Criminalizar o funqueiro naquele momento carregava uma sintonia com representações antigas, construídas desde meados do século XIX, sobre qualquer figura suspeita que circulava na cidade, fantasma que se tornava cada vez mais ameaçador à medida que as leis contra a escravidão iam se multiplicando e os antigos escravos ganhavam as ruas (Bicalho, 2005). De forma geral tratava-se do negro e pobre, que era associado natural e indissoluvelmente a pobreza e criminalidade (Coimbra, 2003).
Essas antigas representações hegemônicas sobre aqueles grupos sociais no Rio de Janeiro vieram bem a calhar num momento em que o chamado "arrastão"despontou como um grande perturbador da "ordem natural das coisas"para a classe média carioca. Patrícia de Farias (2003) cita uma pesquisa com as "galeras"de Vigário Geral, que mostra os conflitos na praia como briga de grupos rivais e disputa de territórios. A galera do "Galo"(Morro do Cantagalo) passou a não sustentar a presença da galera do Borel, alegando a forte vigilância policial. Tratava-se de um rearranjo das galeras no território das praias, e o arrastão teria contribuído para a rearrumação de forças em torno dos pontos da orla. Na visão dos banhistas, contudo, foi uma insuportável perturbação que deixou uma marca indelével no imaginário da praia no Rio de Janeiro (Farias, 2003). Essa perturbação necessitava ser elaborada, e isto se fez com os repertórios disponíveis.
Não era o funqueiro que estava sendo criminalizado, mas o jovem pobre, negro e favelado. O funqueiro era sua objetivação no momento3. Esses jovens, multidão em movimento agressivo para os padrões locais, surgem como algo inquietante. O fenômeno do confronto de galeras na praia, território sagrado da classe média da Zona Sul do Rio de Janeiro, é algo inusitado, de modo geral – e inaceitável para a população que frequenta esse espaço. Na verdade, então, o que se está traduzindo é esta invasão de território por "bárbaros", estranhos no ninho, que vêm perturbar a paz ensolarada do paraíso urbano. No caso, as imagens já estavam lá, e se reacomodariam, ganhando nova denominação. A denominação dada foi o arrastão, cujo personagem principal logo seria identificado ao funqueiro4.
DEMARCANDO TERRITÓRIOS - Thiago Melicio
Se as favelas e seus habitantes tinham uma longa trajetória de discriminação, também a territorialidade das classes médias e altas, a divisão da cidade em zonas mais e menos privilegiadas tinha seu enraizamento no imaginário da cidade. O documentário Os pobres vão à praia registra o enorme desconforto dos moradores da Zona Sul com a presença dos "suburbanos"e "farofeiros"no seu território.
As favelas, que já compunham a paisagem da cidade do Rio de Janeiro desde fins do século XIX, ganham importância no cenário urbano no início do século XX, quando o Rio ainda era capital do Brasil, ao serem implementadas políticas públicas com o objetivo de transformá-la em uma capital nos moldes europeus. A demolição de cortiços do centro da cidade, por exemplo, provocou o êxodo de moradores para as encostas dos morros próximos, como forma de continuar morando perto dos seus locais de trabalho. A geografia do Rio de Janeiro possibilitou que o pessoal "do morro"não fosse jamais esquecido pelos cidadãos "do asfalto", porque o encontro de mar e montanha une os moradores que ocupam a faixa de terra mais valorizada da cidade – a litorânea – e os habitantes das encostas. São territórios conflitantes que se encontram, mas não devem se misturar, segundo a perspectiva dos habitantes da zona praieira.
Haesbaert (2002), afirma que o território expressa uma relação desigual de forças, envolvendo o domínio ou controle político-econômico do espaço e sua apropriação simbólica, numa tentativa por parte de um indivíduo ou de grupos de influenciar ou controlar pessoas, fenômenos e relações mediante a delimitação e a afirmação do controle sobre uma área geográfica. O espaço é anterior ao território. Este somente se forma a partir do espaço e se caracteriza por seu valor de uso em um campo de possíveis, resultado de uma ação conduzida por um ator/atores, em diferenciados níveis. A apropriação de um espaço o torna territorializado em meio a um campo de poder que está em disputa (Raffestin,1993). A classe média, expressa o desejo de demarcar status e identidade pelo domínio e pela exclusividade sobre uma parte do espaço urbano5. Assim, a territorialização de determinadas áreas envolve processos de apropriação e controle inscritos em um campo de poder (físico e simbólico), mas também de laços de identidade que tentam homogeneizar esse território, seja por uma identidade territorial recoberta de afetos e/ou uma fronteira definidora de alteridade. Contudo, essa territorialidade é dinâmica, como sugerem Raffestin (1993) e Haesbaert (2004). Ela resume, de algum modo, a maneira pela qual as sociedades se expressam, em determinado momento, o que faz com que a sua análise só seja possível pela apreensão das forças em confronto, postas no seu contexto sócio-histórico e espaço-temporal.
Esse processo ficou evidente com a chegada da corte ao Brasil e a ocupação forçada de casas para receberem os nobres portugueses, que expulsou moradores do centro da cidade, provocando um reajuste na elite local: perda de local de moradia, do lugar mais alto no topo da pirâmide social, que foi compensada com títulos de nobreza e outras benesses. O processo prosseguiu com o controle das ruas após a libertação dos escravos, levando à criação do que veio a ser a Polícia Militar, destinada a garantir a segurança e tranquilidade dos antigos senhores (Bicalho, 2005). A reforma Pereira Passos, o "bota-abaixo", é outra expressão da demarcação de território dentro da cidade, que expulsou os pobres do centro para criar um espaço condizente com a "moderna"capital da república. Os mais abastados já estavam se transferindo para outros bairros, como o Cosme Velho, o Engenho da Rainha, onde podiam retirar-se para suas quintas sem ser incomodados (Abreu, 1994). Os dois últimos séculos, no Rio de Janeiro, portanto, foram marcados por processos de realocação dos espaços com base em interesses e projetos políticos e econômicos das elites, e de seus nexos simbólicos.
As políticas de demolições e remoções da população das favelas, implantadas por diversos governos, fracassaram na tentativa de abolir completamente os incômodos vizinhos que poluíam os "cartões-postais"da cidade. A favela ficou marcada no imaginário popular como o lugar da carência, o favelado sendo frequentemente tomado como bode expiatório dos problemas da cidade, aquele "outro"de quem o morador civilizado quer se distinguir. Segundo Alvito e Zaluar
...a despeito de diferentes roupagens, sempre de acordo com um contexto histórico específico, o favelado foi um fantasma, um outro construído de acordo com o tipo de identidade de cidadão urbano que estava sendo elaborada, presidida pelo higienismo, pelo desenvolvimentismo ou, mais recentemente, pelas relações autorreguláveis do mercado e pela globalização. (2003, p. 15)
Contemporaneamente vivemos processos de multiterritorialidade, territorialidade em redes e outras (Haesbaert, 2004). A capilaridade da cidade, que não é mais dividida por trincheiras de classe, o trânsito de grupos diferentes por espaços diferentes mostra esse dinamismo, que entretanto não é vivido com a mesma tranquilidade por todos, uma vez que os espaços são também lugares de afetos, de memórias e fantasias.
O arrastão de 1992, portanto, cristaliza tensões entre classes e grupos sociais, propulsadas, dentre outros motivos, pelo aumento da locomoção e acesso dos moradores da Zona Norte a outras áreas desde o final dos anos 80, facilitando a chegada às praias da Zona Sul – entendidas por muitos habitantes dessa área como parte do seu território, por isso, o sentimento de que seu espaço estava sendo invadido. A "mistura"que a chegada de gente "de fora"ocasiona se associa a "sujeira", "paraibada"(Farias, 2003, p. 177). Assim, era preciso colocar ordem nessa "desordem", naquilo que não estava no seu lugar e simbolizava, ao mesmo tempo, perigo e poder (Douglas, 1991). Estratégias de evitação incluíram o "gelo", ou seja, ignorar o outro, não conversar, se afastar, ou a debandada: passar a frequentar outra praia, mais longe (Farias, 2003).
A PRODUÇÃO DE ALTERIDADE(S) - Felipe Barroso
O encontro com o outro pode gerar problemas, mesmo independente das diferenças raciais, culturais e econômicas, na medida em que não se trata apenas do reconhecimento da existência do outro, mas do reconhecimento de um sujeito legítimo, que não só me constitui enquanto eu, mas também se apresenta como portador de um projeto que lhe é próprio (Jovchelovitch, 1998). O desconforto desse encontro advém justamente do fato de o outro não ser tão diferente quanto se gostaria que fosse, mas um semelhante que não conseguimos situar bem (Arruda, 1998). Assim, o insuportável é que o outro não é "somente"o outro, porque:
...ainda é necessário que ele me implique nele, me ingira, me absorva na sua alteridade; que me vire e revire no seu próprio interior, para me jogar na cara uma imagem minha desconhecida por mim e com a qual me reveste. O outro me inflige uma dupla violência: violência da alteridade como tal, e violência da alteridade porque tenta me identificar, porque corrói e soterra a minha identidade. (Dadoun,1998, p. 66)
Contudo, é sustentado na diferença que o "eu"pode existir e, principalmente, construir a sua identidade. As múltiplas formas de envolvimento com o outro não só acarretam diferentes concepções do próprio eu, como também diferentes relações entre o eu e o outro (Jovchelovitch, 1998.). A cisão radical entre o eu e o outro permite um maior controle identitário, pois o outro, que é excluído, deixa claro quais comportamentos os membros da sociedade devem evitar, desempenhando um papel importante na coesão e identidade do grupo dominante. Dessa forma, o sujeito só pode construir a sua identidade pelo reconhecimento e relacionamento com aquilo que ele não é. É principalmente esse encontro com o diferente que permite ao sujeito delimitar quem ele é. Assim,
...o inferno que o outro nos oferece é o inferno de uma vida onde a onipotência do desejo do sujeito é um sonho vão, sempre limitado pelo desejo do outro, pelo seu olhar, seu gesto e reconhecimento. Mas esse inferno não se compara ao inferno que a experiência de nossa época ofereceu, e que nossa memória histórica deve preservar: é somente no pesadelo de uma vida social de desejos irrestritos que o mais obscuro dos totalitarismos pode existir. (Jovchelovitch, 1998, p. 82)
Joffe (2003, p. 314), comenta que "o caráter estranho dos rituais pertencentes a grupos externos é usado tanto para denunciar o grupo externo, como para distanciar o próprio grupo desse tipo de ritual". Portanto, na negociação da diferença em relação ao funqueiro, operada pelos meios de comunicação, características que associam suas práticas à "barbárie"ganham maior evidência no intuito de acentuar a sua distância em relação ao grupo hegemônico. Vianna, ao comentar sobre os jornalistas que procuraram retratar os bailes funk, diz:
A maioria tinha ido a um ou dois bailes na vida. Preferiam ir aos chamados "bailes de corredor", os mais violentos, e generalizavam o que viam ali para todo o circuito de centenas de bailes. Muitas vezes fotógrafos pediram para os dançarinos simularem brigas para suas imagens terem mais "impacto"(2006, p. 3).
Em outro editorial, de 19/7/1995, o Jornal do Brasil decretava: "Os bailes funk são um caso de polícia e deveriam ser combatidos em nome da paz social"(apud Vianna, 2006)
É importante notar que, conforme a teoria das representações sociais, a alteridade construída de um objeto aparece como uma qualificação que lhe é atribuída (Jodelet, 2002). Assim, a alteridade se elabora no seio de uma relação social e em torno de uma diferença, que se dá em determinado(s) contexto(s). Essa diferença será negociada de acordo com a posição de cada grupo, assim como das formas de relações que estabelecem no tecido social. Desse modo, há uma disputa entre as representações e nessa disputa, de acordo com o jogo de interesses, uma determinada representação ganha evidência, produzindo esquemas estereotipados, resultado de processos de seleção e simplificação próprios ao pensamento do senso comum (Jodelet, 1999). Nesse sentido, é esperado que as representações veiculadas na mídia adquiram maior visibilidade e passem a ser objeto de reapropriação pelos/dos sujeitos.
O arrastão produziu, portanto, uma situação inusitada que, para ser compreendida, buscou um terreno conhecido ao qual se incorporar: a figura do funqueiro foi invocada e ancorada aos sistemas representacionais ligados à marginalidade, e colocado pela mídia como protagonista da invasão do território 'exclusivo' dos moradores da Zona Sul. O funqueiro passou a ser associado ao frequentador dos bailes funk marcados pela violência, ator da promiscuidade e da criminalidade ligada ao tráfico de drogas. Sua figura tornou-se a síntese e o emblema desse universo e dos arrastões, uma figura destoante do espaço que invadia. Reforça-se assim um conflito no qual a oposição entre o polo dos "locais"e o dos "não-locais", a rivalidade entre lugares de moradia, na verdade, traz embutida a diferença entre cores de pele, classes e grupos sociais. Como disseram entrevistados na época, "quem traz o terror é o pessoal de fora"(Farias, 2003, p.183).
Contudo, outras representações foram construídas sobre o funqueiro. Certamente, as dos próprios jovens frequentadores dos bailes funk, por exemplo. Vianna (1988), em pesquisa pioneira, traz uma análise iluminadora sobre eles. Mais tarde (Vianna, 1996) pondera que as brigas retratadas nos bailes, no geral, eram consequência de rivalidades entre favelas, anteriores à chegada do funk ao Rio de Janeiro, na década de 70. Devido à exclusão dos bailes "das áreas nobres", os chefes do tráfico, cada vez mais jovens, que dominam os morros, passaram a proteger ou mesmo promover os bailes. "Essa parte da história do funk, e da 'criminalização' do funk, ainda está para ser escrita. [...] Os jornais não publicam exatamente fatos, mas sim interpretações sobre os fatos"(Vianna, 2006, p. 3). Da mesma forma, o tratamento dado pela mídia a grupos 'de choque', jovens de classe média, treinados ou não em lutas marciais como o jiu-jitsu, que usavam a violência não só para contrapor as galeras, mas também para sublinhar outras alteridades, com ataques a homossexuais, índios, nordestinos, foi bem diverso do que receberam os jovens identificados como funqueiros.
Toda representação, alerta Jodelet (1984), é representação de algo por alguém. Desta forma, tanto a representação comentada por Vianna como a difundida pela mídia é operada segundo o processo que dá sentido ao que nos cerca, tornando o estranho em algo familiar.
O próprio funk, por sua vez, opera uma desterritorialização e uma reterritorialização (Canclini, 1998), ao conseguir penetrar os espaços da classe média com seu formato contra-hegemônico – o testemunho da vida e da violência das favelas, a erotização precoce e a carência educacional expressa no uso da língua (Laignier, 2008). Ironicamente, recolocando a periferia no centro da difusão cultural massiva, os funqueiros são indesejáveis, mas sua produção musical se infiltra mais e mais no território das elites, mostrando a porosidade das fronteiras urbanas.
De acordo com o exposto, os primeiros indícios das condições para que a alteridade do funqueiro se produza sobre o pano de fundo da criminalização, são: as relações que a sociedade historicamente estabeleceu com os moradores da favela, na sua maioria pobres e negros, enquadrando-os na categoria de marginais; as relações estabelecidas com o espaço urbano pelos grupos dominantes, gerando uma territorialização da cidade – ela também histórica; uma conjuntura de dificuldades econômicas e políticas acompanhada por melhores condições de acesso dos "estrangeiros"ao território "exclusivo"das classes médias e altas; a visibilidade que a manifestação cultural do funk ganhou e a forma como ela se deu na mídia. Acrescente-se ainda as práticas de exclusão e discriminação apoiadas em referenciais próximos daqueles contidos nos processos de higienização da capital fluminense, presentes, portanto, no repertório psicossocial fluminense e carioca, levando, como observa Farias (2003), a objetivar o funqueiro como marginal que porta "paus, pedras e armas de fogo".
Uma alteridade radical projeta sobre o funqueiro muito daquilo que a sociedade deseja eliminar de seu interior, justificando, assim, intensas medidas de repressão. É ainda Farias quem complementa, dando destaque ao que consideramos, na perspectiva psicossocial das representações sociais, como a operação de dar sentido a um objeto não familiar e incorporar uma nova classificação ao repertório simbólico grupal – modificando tanto o objeto quanto o agenciamento do acervo nocional anterior à sua incorporação – características do processo de ancoragem da novidade ao universo já conhecido:
Assim, o fato novo, arrastão, passou a significar algo a partir de sua percepção enquanto uma outra forma de um conflito já presente, interclasses e inter-racial. Ao mesmo tempo, ele é um signo novo, uma "novidade"tanto pela sua conformação quanto pelo espaço em que se deu – a praia, local pensando como imune a conflitos sérios. (Farias, 2003 p.186)
CONCLUSÃO
Nas situações de crise, muitas vezes, para dar sentido ao que nos acomete, é preciso achar responsáveis. A mídia pode cumprir a missão de facilitar encontrá-los, facilitar a ancoragem, refletindo sentimentos e imagens preexistentes na sociedade, sem problematizá-los. Condições contextuais concorrem para essas escolhas, como foi apontado. Assim, elaboram-se representações que renovam o repertório simbólico, por vezes preservando seu cerne. Para isso, selecionam-se aspectos do objeto que são recosturados em uma imagem de fácil apreensão por ecoar elementos do universo conceitual conhecido, no qual são acomodados – são a objetivação e a ancoragem em ação – e responder a afetos circulantes na sociedade, trazendo à tona velhos fantasmas para lidar com novos sobressaltos, ou tirar partido deles. A base e o resultado desses processos neste caso foi, ao mesmo tempo, a produção de uma alteridade radical para um personagem que circulava em múltiplos territórios da cidade. A imagem pode chegar a uma naturalização, que torna o objeto algo tangível, quase material. O funqueiro se torna um perigo à vista, pela sua simples presença.
Não cabe, contudo, acreditar que tudo que foi dito pela mídia permanece, ou permanecerá. A desterritorialização e reterritorialização promovidas pelo funk, a briga de fronteira entre classes e grupos sociais prosseguem. Pode-se dizer que o funk vem operando nas duas últimas décadas "uma reposição simbólica da alteridade, recolocando o negro-pobre-favelado novamente em destaque, como o samba já fizera anteriormente..."(Laignier, 2008, p. 8). Com o funk, a favela tem-se inserido nos espaços de concepção-produção-difusão e recepção musical, nos espaços de fruição social e de debate cultural. As divisórias e barreiras se movem, desarrumando e rearrumando territórios, provocando uma multiterritorialidade. O funk burla sentinelas e atravessa as trincheiras da cidade. Pode-se dizer que "Nos últimos 15 anos, o funk tem sido um elemento cultural carioca capaz de operar uma ressignificação dos lugares minoritários da 'cidade partida' "(Laignier, 2008, p. 13). O funqueiro, personagem deste redesenho que coloca a periferia no centro, é um transgressor, como foram no passado o sambista, o capoeira e outros mais. Sobre ele recaem temores e associações negativos, aos quais a mídia fez eco, como se viu. Esperemos que o tempo prossiga o seu caminho e que esta alteridade-síntese de outras da nossa história termine por se desconstruir ao ritmo contagiante do som que lhe deu vida.
Angela Arruda; Marilena Jamur; Thiago Melicio; Felipe Barroso.
A sabedoria do sambista mais respeitado e admirado do País
É difícil entrevistar Bezera da Silva e não indagá-lo sobre a diferença entre um malandro e um mané. Chavões à parte, O Malaco foi buscar numa peculiaridade das músicas que ele canta o ponto central da conversa: a falta da palavra “amor” nas letras. E aí o intérprete mais longevo do samba deita e rola.”Se o amor é tudo isso que eles falam, então na Terra ele não mora”, define. Emendando um assunto atrás do outro, Bezerra opina sobre encrencas com a polícia, jornalistas, samba, favela e, óbvio, malandragem.
A palavra AMOR. Que Bezerra não soletra.
“O problema não é a palavra. Eu sempre procurei ouvir as minhas opiniões e as dos outros, vivendo dentro de uma realidade. Então, eu tive prestando a atenção nessa palavra, A-M-O-R, eu procurei saber o que era, não falando dos compositores do mundo artístico, que esse é um tema manjado, cansado, fica cansativo. Você vê a maioria das composições é “meu amor, eu te amo”, não sai disso, é uma coisa de novela. Quanto à palavra amor, eu procurei saber, e acordo com a definição, isso não pode existir aqui na Terra. Segundo a definição, ‘o amor não tem sexo, o amor é puro, é sublime, eterno, divino, puro, lindo, perfeito, sem defeito…’. Se o amor é isso tudo, então aqui na Terra ele não mora, bicho, de maneira nenhuma.
Inclusive tem frases como ‘fazer amor’, eu queria saber onde fica essa fábrica. Se você for observar, ‘amai-vos uns aos outros’ não existe. Eu tive vendo o nono mandamento da lei de Deus, ‘não cobiçar a mulher do próximo’, ninguém passa nessa, só viado (risos generalizados). Aparece uma mulher boa pra caralho, ah… pecou, já foi pro inferno. Entendeu bem?
Mas esse tema começou uma vez lá na Rádio Globo: ‘o Bezerra da Silva não canta o amor’, isso não tem nada a ver com o gênero, entendeu. Eu não acredito nessa história. De vez em quando eles dizem ‘você diz que não tem amor’, então fica com o teu pra lá que tá tudo bem, agora, não vai querer me levar pra grupo que eu não sou nenhum otário, porra, entendeu. Quer dizer, a mulher te ama, daqui a pouco te bota um chifre, que porra de amor? É de boi? Porra, cara, entendeu? (risos) Cadê o amor no sistema capitalista? Que amor que tem? Se botou ‘nosso amor’ na música, já não serve.
Existe também um termo, uma frase bem marcante ‘o amor é eterno’. Eu não sei dizer o que é eterno. É claro, todo mundo sabe o quê que é, mas daqui a pouco você amava uma mulher, era gamado mas já largou ela, então etcetera e vai pra casa do cacete. Vida a dois é um problema sério, como acontece depois que casou e descobre o defeito da mulher, depois separa, isso aí é um agá, tá havendo aí um negócio de caô caô do cacete, pra engrupir, pra levar a rapaziada pra grupo, morô?
Se amanhã você for namorar uma moça, ou vice-versa, se alguém for namorar a sua irmã, se ela quer o fulano, a primeira preocupação dos pais é saber onde você trabalha, se tem condições financeiras de sustentar a filha dele, então o amor vai pra casa do cacete. Primeiro ele vai ver o vil metal. Esse amor é foda né, bicho, não dá pra eu entender. Então como não gosto de agá, meu negócio é na dura, é zero a zero.”
Drogas, Polícia…
“Eu sou um cara realista e não se trata de malandragem, sabedoria, nem porra nenhuma. Se trata que eu sou ruim de me levar pra grupo porque, por exemplo, eu ensinei meus filhos. E você vivendo dentro de uma realidade, você passa a sofrer pouco, você não tem mais surpresas, sabe que maconha faz mal, que cocaína faz mal, você sabe que você vai preso, que há repressão, mas tem a sua saúde que vai pro beleléu, então você é um cara preparado pra vida. Não é que eu seja, por exemplo, como essa garotada do hip-hop, Racionais, toda essa juventude gosta de mim, porque realmente eu sempre adorei uma coisa que chama real. Porque não há tempo pra viver mais enganado, pra sonhar acordado, tá entendendo? Agora, eu me dou bem, eu vivo bem. Jamais eu vou discutir com você, te convencer.
Mas há um tempo atrás, até os anos 70, se a gente tivesse conversando aqui, passava a polícia e ficava pedindo ‘documento, documento!!’ e sabe o que eles queriam? Era uma carteira profissional assinada. Era a prova de trabalho. Aí você podia ir por aqui, por ali.. Então se não tivesse aquela carteira eles levavam você pra delegacia para ‘averiguação’. Mas isso era arbitrário. Então o policial se achava no direito de zoar de você e convidar você pra ir à delegacia, chegar lá e bater um boletim, ler a sua ficha penal seja lá o que for daí depois pediam desculpa, coisa e tal, botavam você no carro e deixavam você no mesmo lugar onde tinha sido pego. Sabiam que você não fazia porra nenhuma, aí botavam no xadrez 24 horas pra esperar o boletim, mostrar que tá trabalhando, com as estatísticas e o policial que prendia mais ganhava um prêmio. Então ele prendia os otário, né? Não matei, não roubei, então eu não vou correr. ‘Pare, eu sou Polícia’, legal, bicho. ‘Agora sai, Bezerra da Silva, vai embora e não aparece mais aqui’. E eu respondia: ‘tu acha que eu vim sozinho pra delegacia ou foi você que me trouxe?’. Pergunta cretina. (risos). Minha folha penal é ‘nada consta’, mas se bobear, eles dizem que sou mal-criado, mal educado.”
Cantando para sobreviver
“Eu saí de casa com 15 anos de idade e fui lutar pela vida, trabalhar em construção civil e coisa e tal. Quando eu não tinha onde morar eu morava na rua, e acabei por me criar no Morro do Cantagalo. Ali eu vi de tudo, aprendi tudo.. então é um universo próprio, né? É um diploma que bem poucos têm. O morador do morro é um trabalhador incansável. Então, quando você aprende o mundo com a própria vida, então ninguém agüenta você, ninguém te leva pra grupo. Que porra de vim me falar por livro, o caralho! Tudo bem, você vai pra escola, aprende a falar bonito, mas não vai levar você pra grupo. Entrei em cana 21 vezes, sou campeão de averiguação sem fazer porra nenhuma, entendeu? Todo dia quase entrando em cana lá, não sei por quê…
Realmente existe uma mídia violenta, selvagem, desumana e tal, então eu vivo num gênero que é marginalizado, desde os tempos que eu cheguei do Recife, que não sou carioca, me criei no morro, aquela coisa toda, porque esse gênero já existia, eu não inventei nada. Então quando teve a chance, eu fui o primeiro a gravar, eu não criei nada, entendeu? Quando eu não era nascido, o gênero já existia. E fiquei também, dei uma sorte que não tenho concorrente, por isso que eu tô de pé até hoje. Porque se eu cantasse esse ‘meu amor eu te amo, pá pá pá’ eu já tinha me fudido há muito tempo, já tinha batido na trave, ido pra casa do cacete. Então essa é a minha realidade.
Eu canto a realidade brasileira, eu canto o dia-a-dia do compositor pobre, porque eu não sou autor, tô cansado de dizer isso, certo? Eu gravo para os compositores do morro, da favela, da periferia, da Baixada Fluminense, quer dizer, as pessoas humildes, trabalhadores de baixa renda, então gravo pra esse pessoal. Então eles escrevem o dia-a-dia deles, na favela, e o gênero pegou, foi conquistando o público de todas as idades. Já fui até fazer palestra na universidade, lá em Vitória. Você não é obrigado a acreditar em nada, pode fazer o que você quiser. Não tem esse negócio de amor de mãe, amor de pai, amor de porra nenhuma. Se realmente tivesse mesmo, tem mãe que abandona filho, tem mãe que mata o filho quando nasce, joga na lata do lixo, tal. Complicado, então.”
Samba, partido alto ou pagode?
“Isso aí é um terreno de músico, e eu sou músico. Trabalhei na Sinfônica da Globo oito anos, então esse negócio de partido alto, essas coisa tudo, fica dentro de um compasso, se você é músico sabe disso. Então não tem essa história, tem samba, entendeu, samba, dois por quatro. Agora você pode cantar o que você quiser ali dentro, mas é dois por quatro. Esses subtítulos, esses rótulos que eles botam, pagode, sambode, MPB, não sei o quê, tudo isso eu vejo como uma maneira de querer ludibriar as pessoas, entendeu? Eu sou sambista, acabô aí. Cabô. Agora, pagode é um termo pejorativo, apesar de ter dicionário que dá uma interpretação, tem outro que dá outra, você fica sem saber. Pagode, se você for abrir um diconário, é ‘templo pagão de alguns povos asiáticos’, ou então, ‘pândega ou divertimento’, e dentro dessa informação não tem nada a ver com dó ré mi fá sol lá si. É um negócio nosso, da nossa cultura, da falta de educação, estupidez.
Eu já passei em lugar que te densina violão em três meses, não tô entendendo, ou eu sou muito burro, meu professor também, porque violão em seis meses você não aprende nem a afinar. Meu filho toca bateria porque eu ensinei. Porque se você for pra uma escola, te ensinam a tocar aquele rock, tum, tum, tum, daí não passa, acabou, dois por quatro não vai tocar nunca. O garoto não sabe, o pai não sabe, vai gastando dinheiro, vai não sei o quê, então nós temos essa série de, problemas sociais, de educação e cultura, e o pessoal vive enganado. ‘Onde é o seu nariz?’ (aponta) ‘ah, é aqui no pé’ (risos). Tá entendendo? Uma série de analfabetos se apropriaram do Brasil, dá até pena, é doloroso. Não tenho curso superior não sou formado em porra nenhuma e nem quero. Leio código penal, aquela coisa toda. Quer dizer, fico olhando, observando os agás, né, os caô caô, tudo grupo, então eu não vou cair naquela.”
Culpa da imprensa
“Uma vez tava num programa, tava brincando com os jornalistas, até que um, famoso, disse ‘um nunca vi crioulo pobre, favelado, bem criado e bem educado’. É mal criado porque o cara passa muita fome, mal educado porque ele não vai pra escola. Daí veio o (Jorge) Mascarenhas e disse: ‘Não, mas acontece que educação é uma coisa de cultura. Educação é de berço’. E eu falei: ‘Mentira tua. Você é omisso’. Não existe educação de berço. Ah, vá sacanear o cacete.. Será que a pessoa não sabe o que quer dizer educação? Eu tenho dois filhos, e paguei escola pra eles porque podia. Porque no Brasil não tem curso de graça pra ninguém, e quando tem é agá. Não é política, é realidade.”
Décadas de Bezerra
“Fazer sucesso é realmente difícil, mas difícil ainda é manter. Tem uns colegas meus que acerta numa música só e acabou. O poder econômico, dentro do rádio, atua contra o talento. É preciso que você tenha muita ajuda de Deus, seja muito esperto. Por exemplo, em 1979, quando o Brasil passou a conhecer essa sigla, essa marca Bezerra da Silva, eu já tava na área há muito tempo. Trabalhava como músico, portanto… De 69, 65 pra cá, praticamente eu devo ter uns 34 anos de área. Mas durante aquele período de músico, quando eu trabalhava na Rede Globo, ninguém sabia, o pessoal só conhece depois do sucesso. Então tudo começou em 79, entendeu?. E eu segurei até hoje.
Mas aquela leva de colegas que veio junto, praticamente dançou todo mundo. Janaína, Neguinho da Beija-Flor. Porque.. não é que ele não seja bom, eles tão sendo usados. E também porque eles cantam uma coisa que é corriqueira, e tem que gastar muito, tem muita pedra pra chegar lá. E se você entra no gênero romântico, como eles falam, tá arrumado. Vai ter que encarar muita coisa, vai ter que encarar Roberto Carlos, que é profissional, inteligente, tem máquina publicitária, tal, e uma série de coisas, e depois o vil metal. E o público tá sempre enganado. O público é sempre aquele último a saber. Principalmente o rádio, hoje em dia, é na base do vil metal. Você paga pra cantar na televisão, paga pra cantar no rádio, paga pra não sei o quê. Então não é pra pobre. Você observa, dá até pena. Vocês lembram daquele negócio do sapatinho (o ex-bando do filho do Zico, Só No Sapatinho)? Cadê? Vendeu 100 mil naquela brincadeira. E acabou. É diferente do crioulo, do pobre, favelado, encarar a realidade. Porque eu fui consagrado pelo povo, e não pela mídia.”
Entrevista: Fabrício Rodrigues/Gabriel Rocha/Romeu Martins
Fotos: Fred Carvalho
TEXTO PUBLICADO EM O MALACO #1 - Fevereiro de 2001
quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011
Carnaval com Alegria

Rapaziada,
Carnaval esta chegando,galera preparando aquele bronzeado,mantendo a forma em dia pros intensos dias de folia.Vou aproveitar a oportunidade também para convidar a todos para participar de nossos desfiles.
O primeiro é o nosso bloco Folia do Galo que arrastará nossa comunidade numa grande confraternização de alegria pelas ruas do bairro.
Outro grande desafio nosso será abrir o carnaval de 2011 sendo a primeira a pisar na Sapucaí pelo Grupo de Acesso A.Por isso espantaremos todas as mandigas brabas com nosso enredo Os 12 Obás de Xângo da Carnavalesca Lene Santana.
Maiores informações para desfile acesse: http://www.gresalegriadazonasul.com.br/
segunda-feira, 31 de janeiro de 2011
museologando: Furacão 2000 no MUSEU
domingo, 30 de janeiro de 2011
Museu de Favela- Rio
Museu de Favela- Rio



The Favela Museum isn't simply a gallery inside the favela— the favela itself is the museum.
So vived and pulsating with life, the small city is a living canvas painted by generations of residents.
There's also a boxing ring, a swimming pool and a library up there. You sense that the community center is its own utopia, where kids are at least temporarily distracted from the surrounding socio-economic drama.
Die Favelas von Rio: Cantagalo-Pavão-Pavãozinho.
Ein paar Meter Höhenunterscheid und man betritt eine andere Welt:
Cantagalo-Pavão-Pavãozinho sind drei verwachsene Favelas in der Südzone von Rio. Sie liegen, sehr prominent, auf dem Hügel hinter den Stränden von Ipanema und der Copacabana. Die BewohnerInnen blicken auf eine der teuersten Wohngegenden Südamerikas und ihre berühmten Strände herunter.
Die Geschichte der Siedlung geht an die hundert Jahre zurück. Die unter Hungersnöten leidende Landbevölkerung aus Minas Gerais und dem Norden zog nach Ende der Sklaverei auf der Suche nach Arbeit in die damalige Hauptstadt Rio. Sie errichteten kleine Häuschen auf dem Hügel hinter den mondänen Villen, in denen sie arbeiteten.
Heute sind die kleinen Häuschen zu teilweise bis zu fünf Stockwerke hohen Ziegelbauten mutiert, die sich in oft waghalsigen Konstruktionen an den Hügel drücken. „25.000 Menschen wohnen auf dem Hügel“, erzählt mir ein Bewohner. Das ist eine große Differenz zu der 2008 erhobenen offiziellen Zahl. Damals erhob der Zensus, dass Cantagalo-Pavão-Pavãozinho 9.500 Seelen beherbergt.
Bis vor genau einem Jahr, Weihnachten 2009, stand Cantagalo-Pavão-Pavãozinho unter der Herrschaft des Comando Vermelho. Das Comando Vermelho ist die älteste und größte Drogenbande Rios. Eine vor zwei Jahren erhobene Studie ermittelte, dass das CV damals 40 Prozent der Favelas von Rio kontrollierte. Zeitungen und NGOs sprechen aufgrund der permanenten bewaffneten Konflikte zwischen Drogenkartellen, Polizei und Miliz von einem urbanen Kriegszustand. Um die Verwendung diese Worts zu erklären, wird häufig der von Amnesty International erhobene Vergleich zitiert:
Von Dezember 1987 bis November 2001 sind in Rio 4.000 Minderjährige und Kinder bei Schießereien gestorben. In den Favelas, die unter dem Regime eines Kartells stehen, kann der Staat sein Gewaltmonopol nicht durchsetzen. Die BürgerInnen leben in ihrer Wohngegend nach den Gesetzen der Banditen und müssen bei Verstößen gegen die Regeln mit grausamen Strafen bis hin zu Exekution rechnen. Das Comando versucht Sozialleistungen und staatliche Interventionen soweit wie möglich zu verhindern, um ihre Machtposition zu sichern. Greift die Polizei doch ein, dann wird von einer Invasion gesprochen. Die Favela wird gestürmt, es kommt zu Schießereien im Wohngebiet, einzelne Verbrecher werden gejagt und festgenommen. Die bestehenden Machtverhältnisse werden nicht geändert und andere rücken in die Position der Festgenommenen nach. Die Spirale der Gewalt dreht sich weiter.
UPP
2008 trat unter Rios Gouverneur Sérgio Cabral ein neues Polizeiprogramm in Kraft. UPP - Unidades de Polícia Pacificadora - sind permant in Favelas stationierte Einheiten der Militärpolizei. Ihre Aufgabe ist es regulierend und helfend in die Gemeinde einzugreifen, Kommunikation mit den BewohnerInnen herzustellen, Akzeptanz zu fördern. Sie sollen das Bild, dass die Polizei nur mehr Gewalt in die Gemeinde trägt, verändern.
Aufgabe der UPP ist es, Schritte in Richtung Annäherung von BewohnerInnen und Polizei zu setzen, sie sollen die Gemeinden unter staatliche Kontrolle zurück führen und dafür sorgen, dass der Einfluss der Banden auf Dauer verschwindet. Die Militärpolizisten, die im Rahmen der UPP in den Favelas stationiert sind, wurden speziell ausgebildet und verdienen 400 Reais, knapp einen brasilianischen Mindestlohn mehr, so dass sie weniger anfällig für Korruption sind. Mehrere Gemeinden wurden im Laufe des letzten Jahres „befriedet“.
Seit genau einem Jahr, Weihnachten 2009, sind die UPP in Cantagalo-Pavão-Pavãozinho stationiert. Die Besitzstandsverhältnisse von Häusern und Grundstücken sind staatlich regularisiert, die BewohnerInnen sind die offiziellen BesitzerInnen der einst wild errichteten Bauten. Die Preise für die Häuser an einem der besten Plätze der Stadt werden in nächster Zeit ziemlich steigen. Die Gefahr, dass man als BewohnerIn zwischen die Fronten von Gangstern und der Polizei gerät, ist geringer geworden . Die Boca de Fumo, wo früher die Drogen verkauft wurden, ist heute eine Mopedgarage.
Museu de Favela
Ich bin hier, um Sidney Tartaruga zu treffen. Sidney ist ein Aktivist aus der Gemeinde, Musiker, unterrichtet Capoeira und er ist der Leiter und Organisatoren des Museu de Favela. Vor zwei Jahren wurde die NGO Museu de Favela gegründet mit dem Ziel, die Kultur der Favela zu repräsentieren und die Geschichte der Siedlung zu dokumentieren. Er holt mich am Eingang zur Favela ab. Das Portal zum Museum, das an verschiedenen Orten in die Favela eingebettet ist, besteht aus eingesammeltem und recyceltem Müll. "Hauptsächlich alte Kühlschränke", erzählt Sidney.
Es ist eine der Missionen des MUF, die mündlichen Überlieferungen über politische Aktivisten und Künstler aus der Favela zu dokumentieren, damit sie für kommende Generationen nicht verloren gehen und ein Teil der offiziellen Geschichtsschreibung von Rio de Janeiro werden.
Im Gang des Hauptqaurtiers des Museums zeigt uns Sidney Tafeln mit Fotoarbeiten über ältere BewohnerInnen von Cantagalo. Hommagen an Frauen, die sich um Straßenkinder kümmerten, obwohl sie kaum selbst etwas hatten, oder Männer, die solang beim Comando und der Stadtregierung vorsprachen, bis beide Seiten sich einigten, dass Strom in die Gemeinde kam.
Das MUF ist ein lebendiges, interaktives Museum, das sich nicht auf einen Ausstellungsort beschränkt, sondern an vielen Orten in das Leben in der Favela eingebettet ist.
Viele unterschiedliche Kulturen sind durch die Migrationsströme aus dem Norden und Nordosten Brasiliens in den urbanen Favelas verschmolzen. Hier mischen sich traditionelle Musiken wie Forro und Axe mit Hip Hop, Funk und Soul. Baile Funk ist hier entstanden, als die Kids vor über 25 Jahren begannen Kraftwerk, nordamerikanischen Funk und brasilianische Rhythmen zu kombinieren.
Graphische Traditionen werden in Graffitis eingebaut. Das Büro des MUF ist auch ein Community Center, in dem es einen Computerraum gibt, eine Zeitung wird herausgebracht, Kinoveranstaltungen werden organisiert. Es soll einerseits ein Anreiz sein für die Leute, die unten in Ipanema leben, ihre Nachbarn vom Hügel kennenzulerenen, Vorurteile abzubauen und den Ort zu öffnen. Das MUF will andererseits den BewohnerInnen Chancen geben aktiv zu werden und ihre Lebensumgebung zu verbessern.
2050 Schritte
Letzte Woche wurde das Graffiti Outdoor Museum des MUF eröffnet. Die zwanzig bemalten Häuserfronten und Straßenzüge, die das Graffiti Outdoor Museum bilden, sind über die drei Favelas Cantagalo und Pavão-Pavãozinho verteilt. Der Weg zwischen ihnen ist ein Spaziergang, der mit 2.050 Schritten zu bewältigen ist.
Acme, einer der berühmtesten Graffiti Writer von Rio ist Präsident des MUF und Bewohner von Cantagalo. Die zehn Wände wurden von ihm und Kollegen gemalt.
Es sind Bilder, die die Geschichte und historische Momente der Gemeinde zeigen.
Wie die ersten Häuser gebaut wurden.
Ein weiters Bild ist ein Memorials, das davon erzählt, dass man bis in die 80er Jahre Wasser in die Favela hinauftragen musste.
Ein weiteres Bild ist den Musikern, Tänzern und Sportlern gewidmet, die aus der Gemeinde kamen.
Die Vermischung von Christentum mit afrobrasilianischen Religionen wurde in Szenen festgehalten.
Eine Hommage an den Carnaval darf auch nicht fehlen.
Eine Wand erinnert an die Konflikte und Relationen mit den Autoritäten.
Kleine Installationen wie zum Beispiel ein Wegweiser, der in Richtung des Museums zeigt und auf dem „Fortschritt“ steht, ist in die räumlichen Gegebenheiten und die Ästhetik der Favela eingebaut.
Acme, der Präsident des MUF, erzählt in einem Interview mit CNN, dass er und seine Crew seit Jahren in Favelas arbeitet, „um Farbe und Freude an Orte zu bringen, wo normalerweise Zerstörung herrscht, es kommen soviele Leute, um zu zerstören, wir kommen, um zu stärken.“
Es ist Reizüberflutung, wenn man nicht gewohnt ist in dem Terrain mit den kleinen unebenen Gassen, der verwinkelten Architektur, den offenen Wohnzimmern, Bars, Frisören und den auf den Straßen spielenden Kindern zu manövrieren.
Ein mehrmaliger Besuch zahlt sich aus, da es viele Facetten zu entdecken gibt. Das Outdoor Graffiti Museum des MUF freut sich auf BesucherInnen, Führungen können arrangiert werden.
BNegao -A Missao (ou: Quem precisa de Paulo Coelho?)
- Po cara, ta sinistro! Os olheiros falaram aqui em baixo que a Civil esta na area se preparando para invadir e que esta sujeira subir o morro. E quinta feira e esse e o B Negao no telefone minutos antes de termos que estar no Brizolao, no alto do morro do Cantagalo, para fazer o programa Rio Arte Popular na radio comunitaria local Panorama FM. Vou encontra-lo na Sa ferreira para sentir area. Nada parece anormal aqui em baixo, mas na duvida resolvemos ir para minha casa, ligar para a radio e avaliar a situacao. No caminho B passa na padaria para comprar pao e mossarela. Da risadas comentando a importancia do esquema pao com mossarela na sua vida. Cria da Lapa tem que saber se virar. Um rapido telefonema e temos a informacao de que a invasao era alarme falso. Quando eu prometi ao Sidney Tartaruga, idealizador e apresentador do programa, que iria levar o B para bater um papo eu sabia que ele nao ia dar para tras por ser uma radio de morro. O cara nao tem essa de estrelinha, mesmo sendo componente basico de uma das bandas mais populares do Brasil. Bom, a banda e o Planet Hemp, e bocadas e favelas nunca foram misterio para eles. O B nem pensou duas vezes quando lhe fiz o convite. O cara tem uma mensagem para transmitir, e se e do alto do morro que a galera vai ouvi-lo, morro acima ele vai. |
ENCONTRO INFANTIL DE CAPOEIRA AGITA O CRJ CANTAGALO.
visita da grande atriz, Leticia Sabatella,
Meu coração é verde e amarelo...
Na primeira foto,eu no Painel da Manhã desta quinta, na Roquette Pinto, na 94.1 FM, com Patrícia Oliveira e Jorge Ramos, os apresentadores, Sidney Tartaruga e Raul Fernandes, mais Alicinha Silveira, a produtora, debatendo futebol sem saber muito mas gostando demais, com gente que entende tudo. Audácia, coragem, que espero nossa seleção tenha hoje, em campo.
Nie poznałabyś teraz naszej faveli - pisze mój znajomy z Rio de Janeiro. Przed mistrzostwami świata w piłce nożnej w 2014 r. i igrzyskami olimpijskimi w 2016 r. Brazylia chce przemienić favele w normalne dzielnice.
Największy problem jest w Rio de Janeiro, gdzie co szósty mieszkaniec miasta - czyli milion ludzi - mieszka w favelach. To w tym mieście odbędzie się olimpiada. - Planujemy, że do 2014 r. całe Rio znajdzie się pod kontrolą policji, natomiast do 2016 r. favele zostaną zintegrowane z resztą miasta - mówi ekonomista Ricardo Henriques, jedna z ważniejszych postaci w rządzie prezydenta Inacio Lula da Silva.
To Henriques wymyślił program "Stypendia rodzinne", który ma sprawić, że dzieci przestaną pracować i wrócą do szkół, a nawet przedszkoli, bo w Brazylii nierzadko pracują już czterolatki. Rodziny dostają pieniądze na każde dziecko, które zacznie chodzić do przedszkola i szkoły.
Teraz Henriques ma zmienić opanowane przez gangi narkotykowe favele w praworządne dzielnice. Plan rządu jest wielostopniowy, ale pierwszym i podstawowym etapem jest zaprowadzenie w faveli porządku przez specjalnie utworzone w tym celu oddziały policji UPP. Służą w nich głównie młodzi funkcjonariusze, którzy nie mają za sobą brutalnych pacyfikacji dzielnic biedy i nie są skorumpowani. W samym Rio z rąk policjanta ginie codziennie troje ludzi i często nie są to przestępcy. Nawet władze przyznają, że wiele faveli kontrolują policyjne "szwadrony śmierci" zaprowadzające tam swoje porządki.
Dlatego policjanci z UPP przechodzą specjalne szkolenia i są lepiej opłacani. - Sytuacja jest daleka od ideału, ale fakt, że policjanci zaczynają na co dzień posługiwać się gazem łzawiącym zamiast pistoletem, jest ważny - podkreśla socjolog Ignacio Cano, ekspert przestępczości miejskiej.
Gdy już ucichną strzelaniny między policją a wycofującymi się w inne miejsca bandytami (bo nikt nie ma złudzeń, że ci porzucają biznes narkotykowy), władze rozbudowują w faveli szkoły i ułatwiają dostęp do służby zdrowia. To wielkie wyzwanie, bo w dzielnicach biedy szkoły często działają tylko w teorii - zdarza się, że nauczyciele nie przychodzą na lekcje bo wolą zarabiać większe pieniądze w prywatnych placówkach. Dostęp do państwowej służby zdrowia też jest trudny - na przyjęcie do szpitala nierzadko trzeba czekać kilka dni.
- Nie ma już u nas pracujących dla mafii nieprzytomnych od kleju chłopaków z karabinami, za to bardzo rozwinęła się infrastruktura. Dostaliśmy windę panoramiczną na sam szczyt Cantagalo, połączoną ze stacją metra. Buduje się Muzeum Faveli, które ma zatrzymać pamięć o naszej wspólnocie i przyciągać turystów - opowiada mi Tartaruga, który zarabia jako nauczyciel w szkole sztuki walki capoeiry.
- Najlepszym dowodem na szybkość zachodzących zmian jest to, że ceny domów w Cantagalo ostatnio się podwoiły - dodaje Andreia Vieira, która przygotowuje się do ślubu. Na pytanie, czy chciałaby dziś wynieść się z Cantagalo, odpowiada, że nigdy nie przyszło jej to do głowy.
W favelach słychać też narzekania, bo gdy dzielnica normalnieje, mieszkańcy muszą nauczyć się płacić za usługi, z których dotychczas korzystali za darmo: prąd czy telewizję kablową. Dotychczas przewody na lewo instalowały gangi. - Mieszkamy tu od 70 lat w kompletnym zapomnieniu. Musimy uczyć ludzi wszystkiego od początku - mówi Jose Mario Hilario, przewodniczący związku mieszkańców z Santa Marta, pierwszej faveli objętej programem naprawy.
Bandyci organizowali też życie społeczne faveli. Określali reguły: na swoim terenie nie wolno kraść, kobiety są szanowane, mężczyźni nie wychodzą z domu w obcisłych plażowych slipach, tylko w luźnych szortach do kolan. Sponsorowali dzień dziecka, fundując wszystkim dzieciakom drobne prezenty. Każdy mieszkaniec mógł iść do nich na skargę, np. w sprawie przemocy w rodzinie. To był skuteczny straszak, ponieważ nikt nie chciał trafić pod taki "sąd".
Młodym ludziom brakuje też kultowych weekendowych dyskotek, które były organizowane i sponsorowane przez handlarzy narkotyków dla wszystkich mieszkańców faveli. Gangsterzy opłacali nawet słynnych didżejów. W zależności od wysokości tygodniowego utargu fundowali tanie wino czy piwo wszystkim gościom i sprzedawali narkotyki po promocyjnych cenach.
Teraz w ramach programu rządowego slumsy mają odwiedzać byli mieszkańcy, którzy dzięki parytetom dostali się na uniwersytety i pokończyli studia. To jednak nieliczna grupa. Większość mieszkańców faveli nie ma nawet podstawowego wykształcenia, dzieciaki rzucają szkołę po trzech klasach, potem nie mają szans na znalezienie przyzwoitej pracy. Teraz do rzeszy bezrobotnych dołączają jeszcze ci, którzy stracili zajęcie w biznesie narkotykowym.
Ricardo Henriques nie ma złudzeń: - Młodzi nie chcą wracać do szkół, bo nie wierzą w szkołę. Hołdują ikonom wojny: markowe adidasy, broń i śliczna dziewczyna. Oni nie widzieli faveli bez wojny i znają tylko wojnę. Wielkim wyzwaniem jest wdrożenie tych ludzi w normalne życie miasta.
Część byłych żołnierzy gangów przerzuciła się na kradzież, bo nie zakazują już tego narkotykowi bossowie pilnujący dawniej porządku na swoim terenie. - Nie mogę zostawić klapek na oknie, bo zaraz ukradną. Tak nigdy nie było - mówi dziennikarzom 43-letnia Gloria, mieszkanka faveli Santa Marta.
Są jednak tacy, którzy chcą rozpocząć nowe życie. - Sześć lat byłem w narkobiznesie. Nie zliczę, ile razy brałem udział w wymianie ognia z policją. Stałem obok mego kuzyna, gdy wykonywano na nim egzekucję - opowiada 22-letni Paulinho da Cacapava z Rio de Janeiro. - Wiem, że nie będę już zarabiał 600 reali tygodniowo [ok. 1 tys. zł], ale chcę z legalnej pracy utrzymywać moich dwóch synów.
Niektórzy zarabiają też, oprowadzając turystów po slumsach. To również pomysł rządu w ramach programu "Rio Top Tour", który jest reklamowany jako pokazywanie obcokrajowcom kultury biedniejszych części miasta. Amerykanie i Europejczycy wykupują za kilka dolarów wycieczki, ale zamiast pokazu tańca dzieci zdecydowanie bardziej wolą oglądać np. miejsca kaźni, w których gangsterzy torturowali swe ofiary.
Sceptycy pomysłów ekipy prezydenta Luli da Silvy podkreślają, że tak naprawdę nie chodzi o biednych, tylko o pokazanie światu podczas mundialu oraz olimpiady w Rio de Janeiro, że jedna z najszybciej rozwijających się gospodarek świata radzi sobie z problemem faveli.
Nawet władze nie łudzą się, że narkogangi znikają. One tylko przenoszą się o kilka kilometrów dalej, na obrzeża Rio. Tam sytuacja mieszkańców pogarsza się, ale tam nie sięga już wzrok międzynarodowych obserwatorów i raczej nie przyjadą tam turyści. Wielu mieszkańców slumsów boi się także, że po olimpiadzie do faveli znów wrócą gangi, bo wtedy nikogo nie będzie to obchodzić.
Gubernator Rio Sergio Cabral mówi: - Dalibyśmy radę zapewnić bezpieczeństwo w mieście, nawet gdyby olimpiada miała odbyć się za trzy miesiące. W takich sytuacjach mobilizacja jest ogromna. O wiele trudniejsze jest wprowadzenie trwałych, głębokich zmian, które na długi dystans zmienią jakość życia mieszkańców.